Descrição para cegos: retrato de perfil de Maria da Penha. |
Violência doméstica também é questão de gênero. Em 2014 a Leia Maria da Penha completa oito anos com conquistas em favor da mulher. A lei não acabou com a violência, mas permitiu a conquista de vários direitos. Para falar sobre isso, escrevi uma matéria com uma breve biografia e histórico sobre a mulher que deu nome à lei. Em seguida, fiz um breve levantamento do mapa da violência doméstica no país.
A cearense que dá o nome à lei que protege as mulheres contra a violência doméstica lutou por quase vinte anos por justiça. Ela representa a luta de várias gerações que buscam por respeito, igualdade e por direitos, entre eles, o direito de não ser agredidas em seus lares. Sua luta foi motivada por uma tragédia pessoal ocorrida quando ela tinha 38 anos de idade. A partir desse fato, sua vida se modificou completamente, Penha vivia agora em nome de uma causa: a eliminação de todas as formas de violência contra a mulher.
Em 1983, a farmacêutica Maria da Penha recebeu um tiro de seu marido, Marco Antônio Viveiros, professor universitário, enquanto dormia. Como sequela, perdeu os movimentos das pernas e se viu presa em uma cadeira de rodas. Seu marido tentou acobertar o crime, afirmando que o disparo havia sido cometido por um ladrão.
Após um longo período no hospital, a farmacêutica retornou para casa, onde mais sofrimento lhe aguardava. Seu marido a manteve presa dentro de casa, iniciando-se uma série de agressões. Por fim, uma nova tentativa de assassinato, desta vez por eletrocução, que a levou a buscar ajuda da família. Com uma autorização judicial, conseguiu deixar a casa em companhia das três filhas. Maria da Penha ficou paraplégica.
Já em 1984, Penha iniciou uma longa batalha por justiça e por segurança. Seu marido foi julgado sete anos após o crime, considerado culpado e recebeu pena de 15 anos de reclusão. Entretanto, a defesa apelou e a sentença foi anulada no ano seguinte. Só após um novo julgamento, em 1996, o ex-marido foi condenado novamente, desta vez a 10 anos de prisão, porém, ficou apenas dois anos preso em regime fechado.
A partir deste fato, o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima Maria da Penha, formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), órgão Internacional responsável pelo arquivamento de comunicações decorrentes de violação de acordos internacionais.
Todo esse processo da OEA condenou o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Uma das punições foi a recomendações para que fosse criada uma legislação adequada a esse tipo de violência. E esta foi a sementinha para a criação da lei. Um conjunto de entidades então se reuniu para elaborar um anti-projeto de lei definindo formas de violência doméstica e familiar contra as mulheres e estabelecendo mecanismos para prevenir e reduzir este tipo de violência, como também prestar assistência às vítimas.
À Lei
Sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 7 de agosto de 2006, a introdução da lei diz “Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências”.
Em setembro de 2006 a lei 11.340/06 a lei finalmente entrou em vigor, fazendo com que a violência contra a mulher deixasse de ser tratada com um crime de menos potencial ofensivo. A lei também acaba com as penas pagas em cestas básicas ou multas, e passa a englobar, além da violência física e sexual, a violência psicológica, a violência patrimonial e o assédio moral.
Atualmente, o principal canal de denúncias relativas à violência doméstica é o Ligue 180, que pode ser contatado gratuitamente. As atendentes são treinadas para orientar as mulheres para os órgãos mais adequados às suas situações. Desde que foi criada, em 2005, a linha já recebeu mais de 2 milhões de ligações, incluindo denúncias e pedidos de informação.
Hoje, após oito anos da lei em vigor, o Brasil avançou no quesito legislação, entretanto, segundo um levamento feito pela Organização das Nações Unidas (ONU), o percentual de mulheres que são agredidas física ou sexualmente pelos seus parceiros no país gira em torno de 34%, ocupando o sétimo lugar ranking mundial em número de mulheres assassinadas.
Histórico
Para fazer o levantamento histórico relacionado ao tema discutido, utilizamos a pesquisa realizada pelo FLASCO Brasil, que foi liderada pelo professor Julio Jacobo Waiselfisz, formado em sociologia pela Universidade de Buenos Aires. Julio é Coordenador Regional da UNESCO no Estado de Pernambuco e Coordenador de Pesquisa e Avaliação e do setor de Desenvolvimento Social da mesma instituição. Coordenador do Mapa da Violência no Brasil. Atualmente é Coordenador da Área Estudos sobre a Violência da FLACSO Brasil.
De acordo com o Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA), nos últimos trinta anos, cerca de 92 mil mulheres foram assassinadas no país, 43.7 mil só na ultima década. O número de mortes para cada grupo de 100 mil mulheres passou de 1.353 em 1980, para 4.465 em 2010, o que representa um aumento de 230% do número de homicídios femininos no Brasil. A faixa de idade das vítimas está entre 15 a 29 anos de idade, com maior incidência no intervalo dos 20 aos 29.
Segundo a pesquisa, as armas de fogo continuam sendo o principal instrumento utilizado nos homicídios, tanto feminino como nos masculinos, só que em proporções diferentes. Por exemplo, nos masculinos, representam ¾ dos crimes, enquanto nos femininos pouco menos da metade. Já outros meios além das armas, que exigem contato direto, como utilização de objetos cortantes, penetrantes, contundentes, sufocação etc., são mais expressivos quando se trata de violência contra a mulher, o que pode ser indicativo de maior incidência de violência passional.
Tabela: Meios utilizados nos homicídios masculinos e femininos (em %). Brasil, 2010.
Meio
|
Homens%
|
Mulheres%
|
Arma de Fogo
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72,4
|
49,2
|
Objeto cortante/penetrante
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15,1
|
25,8
|
Objeto Contundente
|
5,3
|
8,5
|
Estrangulamento
|
1,0
|
5,7
|
Outros Meios
|
6,0
|
10,8
|
Outra informação que, de certo modo, deixa clara a passionalidade (da maioria) dos crimes são os locais desses incidentes. No caso dos homens, 14.3% acontecem em suas residências, já com as mulheres, esse número eleva-se para 41%. (Rodrigo Andrade)
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