sábado, 2 de setembro de 2017

Quem decide o que é crime sexual no Brasil?

Descrição para cegos: foto mostra um cartaz escrito: “mexeu com uma, mexeu com todas
Por Mikaella Pedrosa


"Duzentos mil réis a dois contos de réis": esse é o preço que se paga no Brasil por importunar alguém de modo ofensivo ao pudor. A pena está descrita no artigo 61 da Lei das Contravenções Penais de outubro de 1941. Esta foi a decisão do juiz José Eugenio do Amaral Souza Neto para um homem que ejaculou em uma passageira dentro de um ônibus, em agosto (29), em São Paulo. Diego Ferreira Novais, 27, foi solto após 24h.

O texto da decisão divulgado durante a audiência de custódia, afirma que o crime não se tratou de estupro pois "não houve constrangimento tampouco violência ou grave ameaça" à vítima. De acordo com o Estadão, Diego teve 14 passagens pela polícia, cinco por crimes semelhantes, mas nunca foi julgado.

A decisão tem sido contestada por juristas e grupos sociais, com o argumento de que o crime foi mal interpretado e que o homem deveria ter sido preso por tentativa de estupro. 

Para a advogada da Rede Feminista de Juristas Marina Ganzarolli, o que aconteceu foi estupro: "Se uma das pessoas envolvidas nesse ato sexual não consentiu com ele, logo, houve constrangimento e violência. Já enquadra estupro", explicou em entrevista ao G1.

Os crimes contra a liberdade sexual, dentre eles o estupro, está descrito no Código Penal de 1940, mas teve a redação atualizada pela Lei 12.015 de 2009. Desde então, o crime tem sido interpretado como: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso".

Então, se não é estupro e não é contravenção penal, onde se enquadra o ato de ejacular em uma mulher, agravado por ser em espaço público, sem sua permissão? 

Trata-se do crime de violência sexual mediante fraude, segundo o advogado especializado em Direito Penal, Ariston Lucas Ferreira. “Mas é preciso dizer que o erro não foi só do juiz. Também erraram o delegado e o representante do Ministério Público que apenas enxergaram a possibilidade de enquadramento do ato tanto em estupro ou na contravenção penal. Pra mim, trata-se de um clássico resultado da conjunção entre agentes públicos que não estão preparados para lidar com atos de violência contra a mulher em uma sociedade machista como a nossa”, explicou.

A redação dessa tipificação de crime prevê pena em casos de fraude, mas também em outra conduta: “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”. 

A advogada Guadalupe Sampaio explica neste artigo que no fim das contas tudo se tratou de um erro do delegado, do juiz e do promotor de justiça colocando, desta forma, outras mulheres em risco ao liberar o indiciado quando, claramente, ele oferece risco à sociedade.

         Entenda o caso
O caso ocorreu no início da tarde de terça-feira, 29 de agosto, na altura da Alameda Joaquim Eugênio de Lima, na capital paulista. Um homem se masturbou e ejaculou no pescoço de uma passageira do ônibus, que dormia.
Assim que percebeu o que estava acontecendo, a vítima se desesperou e começou a chorar e foi acolhida por outras mulheres. A Polícia Militar foi acionada e assediador foi mantido dentro do ônibus até ser retirado pelos policiais. O local rapidamente reuniu dezenas de pessoas. Revoltados, muitos gritavam, xingavam e ameaçavam linchar o agressor. 

O homem foi preso em flagrante e levado ao 78º Distrito Policial, no Jardins. Depois, encaminhado para carceragem do 2° DP, no Bom Retiro. Foi identificado que ele havia passado cinco vezes pela polícia por suspeita de estupro, sem nunca ter ido a julgamento.

Durante a audiência de custódia, o delegado não pediu ao juiz que o mantivesse preso e o promotor de justiça pediu o relaxamento do flagrante – que acontece quando se considera que a pessoa foi presa de maneira ilegal.

Detido novamente
Na manhã deste sábado (2), Diego Ferreira de Novais foi detido pela Polícia Militar ao atacar outra passageira dentro da região da Avenida Paulista. Dessa vez, o delegado Rogério de Camargo Nader, do 78º Distrito Policial (DP), nos Jardins, pediu à Justiça a prisão preventiva de Diego. A decisão, no entanto, deverá sair no domingo (3) durante audiência de custódia, de acordo com o G1.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por participar. Seu comentário logo será publicado.