Por Dani Fechine
“Toda dona de
casa precisa”, era que assim que um homem, já com os seus 45 anos, vendia um
kit gás. O material facilitava a troca do gás, requerendo menos força e
pressão. “Pra sua esposa, sua mulher, sua irmã, sua mãe, sua tia”, ele
continuava a vociferar um machismo arraigado não só na sua criação, mas também
na sociedade. Nesse momento, o calor já convocava todos do Terminal de
Integração a delirar entre os próprios devaneios. Os mais velhos achavam graça do
seu merchandising. Eu, covarde, apenas emburrara-lhe a cara.
Situações como
essa acontecem diariamente, sob variadas formas. E atitudes de inibição também
estão distribuídas aos montes. Ouvir um homem gritar em um ambiente público,
recheado de crianças, mulheres, idosos, que utensílios domésticos servem apenas
para mulheres é deprimente e humilhante. Mas o moço parecia convicto da sua
fala. Para ele, era essa a melhor maneira de conseguir algumas clientes.
Uma
garota que aguardava o ônibus ao seu lado trajava um short jeans e um tênis
preto. O cabelo negro era curto e a pele alva como neve. Seus olhares para o
moço machista foram de reprovação. Mas, também em silêncio, afastara-se dele.
Enquanto isso, a sua mãe achava graça.
É tão revoltante
ser colocada num lugar onde não se quer estar, que a indignação muitas vezes
ultrapassa a possibilidade de uma resposta, ou uma conversa franca com quem
está a disseminar por aí papeis e funções tidos como femininos e que, por uma
questão de sabedoria humana, as moças não querem ocupar. A percepção de que a
mulher nasce também com duas pernas, dois braços e um cérebro é tardia e por
vezes escassa entre os homens. Parece difícil aceitar que a independência é
muito mais prazerosa que trocar o botijão de gás. A dona do lar foi substituída
pela provedora, pela trabalhadora, pela administradora e pela mulher independente.
Infelizmente elas ainda não foram notadas.
Mas o homem
moreno, de calças de Brin, camisa social e chinelos, poderia até ser perdoado,
não fosse o desfecho de uma venda mal sucedida. Falou, em bom tom, que o kit
gás, a qual ele vendia por cinco reais, era preciso ser adquirido para que “a
sua mulher não chame mais o vizinho”. Completou dizendo que o vizinho levaria
não só o botijão de gás, mas também a moça que ajudara a trocá-lo. Colocou-nos
numa posição de objeto mais barato que o kit. Um utensílio gratuito, levado
como brinde, para o primeiro que batesse à porta. Enquanto isso, algumas de nós
indignadas, mantivemos a postura séria. É preciso que alguém perceba que basta
uma brincadeira de mau gosto – ou o merchan de um produto doméstico – para mexer
no calo de quem luta diariamente para corrigir falhas costumeiras na boca da
população.
Admira-me,
principalmente, ver o rapaz puxar papo com as senhoras ao lado. “Minha
ex-mulher vai voltar pra mim. Ela volta. Ela gosta de dinheiro. Homem tem
sempre que ter dinheiro, pra poder dar a mulher”. Poderia ter concluído o meu
dia sem essas ofensas indiretas. Porque ali, entre tantos ônibus e homens, a
única coisa que eu enxergava eram mulheres batalhadoras, a caminho do trabalho
ou da universidade, buscando uma profissionalização e um futuro que fizesse
honrar toda a luta feminista em prol, inclusive, daquelas que não acreditam do
feminismo. Emburrei-me até a propaganda do rapaz terminar. Em seguida, olhei ao
redor. A partir desse momento todas as aspas se fizeram retrógradas. Somos mais
que um botijão de gás, seu moço.
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