Descrição para cegos: foto de uma jovem sorrindo. Ela está usando um véu tipicamente muçulmano. |
Por Felipe Lima
“As mulheres
muçulmanas não têm voz, são todas oprimidas e submissas e isso é culpa do Islã”.
A afirmação não surpreende ninguém. Não é difícil encontrar uma diversidade de
comentários que, como esse, refletem uma visão equivocada dessa religião, bem
como outros que difundem um discurso de ódio. É provável que as pessoas que têm
esse pensamento não conhecem, por exemplo, Huda Sha’rawi, líder feminista que
fundou a União das Feministas Egípcias há quase um século, ou a ex-premiê
paquistanesa Benazir Bhutto.
Ambas foram mulheres
muçulmanas que, contra todas as expectativas dos ocidentais desinformados,
mostraram suas vozes, lutaram e conquistaram direitos nas sociedades em que
viviam. A ignorância quanto ao contexto cultural, histórico, político e social
do Oriente Médio e de outros países muçulmanos é uma das causas dessa visão simplista
e toxicamente moldada pela mídia.
A mulher muçulmana é
livre para fazer sua escolha? Wéllida Karla Vieira foi enfática ao dizer “nós
somos livres, sim!”. Em outubro, ela organizou o 1° Encontro de Mulheres Muçulmanas do Nordeste, nomeado Liberdade Além do Véu, um dia inteiro
de debates e palestras, na Universidade Federal da Paraíba, que buscou
desmistificar os estereótipos difundidos sobre o Islã. “A nossa única diferença
é que no Ocidente, nós somos julgadas pelo nosso estilo de vida”, Wéllida
completou.
“Nos últimos tempos,
eu sinto que a mídia aumentou o seu ataque ao Islã. Existe a questão do
petróleo. O grande problema que a mídia dos outros países tem com o Islã tem a
ver com o petróleo, pelo fato deles quererem o petróleo”, disse a
microempresária potiguar Ana Maria Pimenta, convertida à religião islâmica há 30
anos. Segundo ela, que também esteve no encontro, o Islã deixa que a mulher se
sinta livre e a protege, mas a mídia ocidental passa uma mensagem errada, de
que as mulheres muçulmanas são oprimidas.
Cultura é um assunto
bastante complexo. Fato é que o feminismo no Oriente Médio é diferente do que
acontece no Brasil. Os costumes, os papeis sociais, a política, a música… são
outros. Existe uma extensa gama cultural singular. Dessa forma, falar do Islã colocando
mais um bilhão e meio de pessoas adeptas dessa religião (cerca de 20% da
população mundial) na mesma caixinha é uma maneira de pensar extremamente
reducionista.
“Acredito que existe
essa visão de que o Islã é uma religião machista porque ele, como um todo,
sofre uma deformidade, uma deturpação e criam-se uma infinidade de estereótipos”,
enfatiza Clarice Lima, muçulmana e mestranda em Estudos da Linguagem, que
também participou do 1° Encontro de
Mulheres Muçulmanas do Nordeste. “Então acredito que essa imagem é só mais
um ponto desses estereótipos negativos que são construídos pela mídia ocidental.
Também, eu que acho que pessoas ocidentais veem o Islã como se fosse algo
distante, como se fosse algo exótico”.
Um costume muito
comum é julgar a realidade alheia baseado no seu próprio contexto, relegando a
cultura do outro ao estado de “exótico”. Isso é elevado à potência quando
falamos de uma religião que é majoritária em dezenas de países, cada um deles
com suas particularidades. Os muçulmanos que vivem em Marrocos, por exemplo, são
diferentes dos muçulmanos da Indonésia (países que estão há quase 13 mil
quilômetros um do outro – quase cinco vezes a distância entre Recife e São
Paulo –, um mundo de diferenças!).
Essa rota cruza a
Índia, país de Sharifa Khanam, uma mulher natural do estado de Tamil Nadu, no
sul do subcontinente. Sharifa e a microempresária Ana Maria não se conhecem pessoalmente.
As duas são muçulmanas, porém são bastante diferentes, a começar pela
nacionalidade. Apesar disso, assim como Clarice também o faz, ambas concordam
veementemente numa coisa: o Islã dá muitos direitos à mulher.
Em entrevista a
Vanessa Baird (em inglês), Sharifa conta sobre sua experiência com a criação de
um mosteiro com mulheres como administradoras e líderes religiosas em Puducotai.
O projeto recebeu um grande apoio de mulheres mulçumanas, mas muitos religiosos
com visões patriarcais ficaram contra ela. Sharifa foi acusada de ter a
intenção de promover a prostituição e até recebeu ameaças de morte.
Se fosse no Marrocos
ou na Turquia, certamente essa história seria outra. Acontece que o Islã é uma
religião, como qualquer outra, muito interpretativa. Dessa forma, liga-se a várias
características de outros povos, de outras culturas. Ser muçulmana para Sharifa
é diferente de ser muçulmana para Ana Maria e Clarice e, ainda, foi diferente
para Huda Sha’rawi e Benazir Bhutto. Enquanto alguns países mulçumanos
continuam negando direitos femininos, outros já não os negam, e os motivos são
culturais, políticos e sociais.
Quando alguma
sociedade, que já é machista, tem alguma religião inserida em sua realidade
(política e social), é lógico que os preceitos e a interpretação dessa crença
vão ser adaptados aos interesses de quem tem o poder. Algumas regras são supostamente
baseadas no Alcorão, mesmo que não tenham nada de corânico. Assim como a
cultura patriarcal de muitos países se aproveita da fé alheia, como
oportunistas, o Ocidente continua difundindo visões estereotipadas sobre a
mulher muçulmana.
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