domingo, 31 de agosto de 2014

Minha vida de João: vídeo esclarecedor sobre identidade de gênero

Descrição para cegos: print da animação "Minha Vida de João".
O Youtube é uma ótima ferramenta de informação. Numa rápida pesquisa podemos encontrar vários vídeos, entre documentários, entrevistas e filmes, que dizem respeito às questões de gênero.  A pequena animação “Minha Vida de João” mostra a formação de identidade de gênero masculina. Quando o indivíduo está em formação, certas normas são passadas pelos pais e pela sociedade em geral, como, por exemplo, a atividade de jogar bola como conduta intrínseca masculina. E quando a vontade do pequeno menino é se vestir à semelhança de sua mãe? A sociedade vem com um lápis e apaga. Veja o vídeo aqui. (Luís Marques)

sábado, 30 de agosto de 2014

Análise da imagem da mulher nos anúncios televisivos

Descrição para cegos: foto de Glória Rabay.


A professora Glória Rabay, da Universidade Federal da Paraíba, analisa a imagem da mulher na publicidade televisiva, com foco nos anúncios das marcas de cerveja, trazendo a relação que há entre a forma como a mulher é vista nessa propaganda e na sociedade. Ouça a entrevista aqui. Matéria publicada no programa Espaço Experimental, que vai ao ar todos os sábados, às 11 horas, na Rádio Tabajara AM (1.110 kHz) - João Pessoa-PB. (Taisa Vieira)


quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Você me vê?

Quando usamos imagens aliadas com texto, o resultado, em grande parte, é uma boa comunicação. Dessa forma eu fiz uma ilustração em aquarela sobre folha de papel A4 e nanquim. Ela faz parte de uma série chamada Gênero e reverberaçõesque apresenta ilustrações sobre as questões de gênero, que aliam texto e imagem. Essa ilustração põe em questão algumas palavras ofensivas que são direcionadas a pessoas que optaram por não seguir o padrão normativo de gênero feminino ou masculino, mas que tangenciaram por nuances, assim como fazem as partículas suspensas de tinta de uma aquarela. Ao final, fica o questionamento: com que olhos você me vê? Confira abaixo. (Luís Marques).

Descrição para cegos: ilustração de Luís Marques.

domingo, 24 de agosto de 2014

Estudantes elaboram documentário sobre transexualidade

Descrição para cegos: foto da foto de Maria Clara.

Às vezes, apenas uma frase pode provocar questionamentos sobre nosso posicionamento perante certas questões. Se o documentário dos estudantes Igor Travassos e Letícia Barros, (Trans)parência, não teve esse efeito, a repercussão na web pode nos fazer desconfiar. O documentário foi notícia no jornal Extra e citado numa matéria da Revista Continente, além de debates sobre o tema terem acontecido, à exemplo da mesa redonda Culturas do Ser humano - O (i)limitado do (M)eu corpo LGBT, na Universidade de Pernambuco, ocorrida em maio. Igor conta que, “com a veiculação na internet, e graças à carência do tema, teve uma boa repercussão”.

O documentário foi produzido para a disciplina de Documentário Clássico, do curso de Publicidade da Universidade Federal de Pernambuco. A produção é um depoimento de Maria Clara, numa conversa simples e que nos faz repensar sobre o preconceito contra transexuais. (Luís Marques)

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Uso sexista da língua: não dê valor aos valores machistas

Descrição para cegos: ilustração do blog "Penso, logo feministo".

Tenho andado pensando sobre a minha infância. Pensei sobre a época da escola. Pensei, pensei. Com o passar dos anos, vi que gênero é uma construção social, eu posso desconstruir e construir novos olhares, a partir das diversas identidades de cada pessoa, você aí também pode. Afinal, temos que ter liberdade para ser o que somos. E assim, sou.
Ah, sei lá, deve ter sido na 2º série do ensino fundamental, na escola da fardinha verde - assim como era conhecida - de onde tenho a primeira lembrança de ser incluída no “ele”. Desde criança sempre me questionei: por que chamar, por exemplo, em uma sala de aula, os meninos e meninas de “eles”. “Eles estão fazendo a lição”; “Eles estarão no recreio daqui a meia hora”; “Eles já estão liberados”. Mas, professora, eu sou menina. Mas também podia me chamar de criança.
Na minha sala só tinha um, dois, três, quatro meninos, não importa o número, o fato é que a maioria sempre foi feminina. Mesmo assim, meninos e meninas eram colocados em uma categoria. Qual foi a escolhida: homem, homem. Apenas um em meio a todas já basta. Sim, isso mesmo. Engajadas(os) com a desconstrução do gênero e da sociedade machista utilizam várias formas: agricultorxs, agricultor@s, agricultoras e agricultores.
Talvez eu tivesse que me refazer em meio ao espaço escolar, naqueles anos que eu tinha oito anos. Só mais uma para quem atua na educação de ensino básico: existem questões de gênero na escola e ali há crianças em idade de formação, essa irá refletir nos seus princípios quando se tornarem adultas. Somos múltiplas identidades.
Qualquer coisa que não dê valor aos valores machistas!
Liberte sua mente. Essa não é uma questão inútil! (Carolina Ferreira)

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

“A buceta é minha”: o corpo como sujeito no mundo

Descrição para cegos: retrato de perfil de Jaqueline Conceição.

Entrevista realizada pela Revista Fórum Semanal (http://revistaforum.com.br/digital/) com a pedagoga Jaqueline Conceição, que escreveu o artigo “Só Mina Cruel – Algumas Reflexões Sobre Gênero e Cultura Afirmativa no Universo Juvenil do Funk”, que trata da questão do feminismo e da mulher no universo do funk. 
(Taisa Vieira)

Quais são as intersecções possíveis entre feminismo, funk e empoderamento da mulher? A pedagoga Jaqueline Conceição se debruçou sobre essa questão em artigo que será apresentado na Universidade de Columbia

Por Marcelo Hailer
O nome de Jaqueline Conceição circulou nesta semana nos meios de comunicação por dois motivos: primeiro, pela campanha online que ela lançou para angariar fundos para uma viagem aos Estados Unidos, pois o seu artigo “Só Mina Cruel – Algumas Reflexões Sobre Gênero e Cultura Afirmativa no Universo Juvenil do Funk”, que trata da questão de gênero no universo do funk, foi selecionado para ser apresentado em um congresso da Universidade de Columbia, uma referência no mundo. O segundo motivo é que a campanha chegou na cantora de funk Valesca Popozuda, que gostou do projeto e resolveu ajudar Conceição a bancar a sua viagem para a terra do Tio Sam.

Conceição resolveu tratar de um tema que é polêmico nos debates feministas, a questão da mulher e do feminismo no meio do funk. Quando cantoras vociferam frases como “a porra da buceta é minha”, estão praticando autonomia sob seus corpos? “Na minha interpretação é isso, dizer que a buceta é dela é mais do que só dizer ‘que ela dá pra quem ela quer’ e o corpo como nossa unidade, como sujeito no mundo é a coisa mais importante, o que gente tem de mais de imediato é o nosso corpo”, analisa Conceição.
A respeito da polêmica com setores que não enxergam nuances feministas nas performances das cantoras do funk, Conceição não se furta do debate e levanta um questionamento interessante. “Pra mim, sempre que pensei em feminismo, seria algo para garantir a minha liberdade, mas para isso tenho que me livrar do trabalho doméstico e o que a maioria das feministas faz? Pagam outras mulheres, normalmente negras, para fazer o trabalho doméstico que elas não fazem. Então, de certa forma, a liberdade dela não é plena, a liberdade dela está calcada em cima do trabalho de alguém”, comenta a pedagoga.
Revista Fórum – De onde surgiu a ideia de escrever o artigo “Só Mina Cruel”?
Jaqueline Conceição - Escrevi esse artigo pra publicá-lo num evento científico que aconteceu em Marília (SP) no ano passado. Eu queria discutir a questão do feminismo, mas não queria ficar presa à questão da academia. E, na rua de casa, tinha muito pancadão e aquilo me chamava a atenção, foi daí que surgiu a ideia de fazer esse artigo.
Fórum – De que maneira você relaciona a questão do funk e do feminismo?
Conceição – O funk mobiliza as meninas a pensarem em uma apropriação maior do seu corpo e isso está muito próximo daquilo que as feministas vêm discutindo: o direito ao corpo, ao espaço, ao prazer, da valorização da mulher enquanto sujeito histórico. E na medida em que as meninas que cantam o funk vão protagonizando cada vez mais o cenário cultural, vão também se apropriando de um contexto histórico.
Fórum – O funk é um espaço predominantemente masculino. Acredita que com a ascensão de cantoras e grupos femininos o espaço do funk se torna mais feminino?
Conceição – Na verdade, acho há uma disputa, mas não uma disputa no sentido formal, e sim dentro das relações sociais, que é um campo de extensão, e isso como em qualquer outro campo social. Na medida em que as mulheres vão se construindo enquanto mediadoras, produtoras, consumidoras e cantoras de funk, vão disputando com os homens esse espaço que está posto.
Fórum – Dá pra falar de um empoderamento da mulher no funk?
Conceição – Dá pra pensar em um empoderamento da mulher a partir do funk, inclusive porque o funk abre um debate. Por exemplo, eu estava na sala de aula com os alunos discutindo sexualidade e nós estávamos falando da questão do colo do útero, uma coisa muito pontual e informativa de escola. E um menino falou para uma menina: ‘mas você não se masturba?’, e a menina fez uma cara de desesperada e ela ‘não’, e o menino: ‘mas você tem que se tocar… Assim, pega o espelho, coloca lá e olha’. Na minha geração isso jamais aconteceria e pra mim isso é o advento do funk, ele traz isso à tona e para os jovens que estão em formação é inaceitável que uma mulher não sinta prazer. Isso o funk traz, essa coisa da masturbação, e ele traz um debate que, talvez, na minha geração a gente não tinha o acesso que eles têm hoje.
Fórum – Quando pegamos a frase “a porra da buceta é minha”, podemos dizer que são as meninas dizendo: o corpo é meu e faço o que eu quero?
Conceição – Na minha interpretação é isso, dizer que a buceta é dela é mais do que só dizer ‘que ela dá pra quem ela quer’ e o corpo como nossa unidade, como sujeito no mundo, é coisa mais importante, o que gente tem de mais de imediato é o nosso corpo. Para uma mulher, numa sociedade como a brasileira que controla o processo reprodutivo, que controla o padrão de como ela deve se vestir, falar e como deve ser, legitimar a posse do corpo e dizer que é dela, é um empoderamento sim.
Fórum – Temos alguns setores feministas que discordam dessa tese. O que pensa disso?
Conceição – O funk ele é o que ele é. Ele nem só liberta, e nem só aprisiona. Como qualquer produto cultural da sociedade em que a gente vive, uma sociedade massificada, consumidora, onde a própria cultura é mediada pela indústria, o funk é um produto que foi criado e que está sendo consumido, hoje, em grande escala e que ele pode tanto libertar quanto aprisionar.
Por exemplo: pra mim, sempre que pensei em feminismo, seria algo para garantir a minha liberdade, mas para isso tenho que me livrar do trabalho doméstico e o que a maioria das feministas faz? Pagam outras mulheres, normalmente negras, para fazer o trabalho doméstico que elas não fazem. Então, de certa forma, a liberdade dela não é plena, a liberdade dela está calcada em cima do trabalho de alguém. Mesmo sendo uma relação de trabalho, não deixa de ser um trabalho desvalorizado, um trabalho que não é reconhecido e que as próprias feministas desconsideram, que é o trabalho doméstico. É a mesma coisa o funk. Ele traz uma liberdade por que possibilita uma discussão maior sobre a questão do corpo e de lidar com o papel da mulher, mas, como ele está dentro de uma lógica machista, acaba reproduzindo o machismo. O mesmo ocorre com o trabalho doméstico, numa sociedade machista, cabe à mulher fazer o trabalho doméstico. É uma tensão que está posta.
Fórum – Acredita que a vestimenta das cantoras de funk representa o desejo da hierarquia masculina?
Conceição – Totalmente, reforça. Aí é que está o xis da questão. Costumo dizer que o desejo é socialmente construído, a própria concepção do que é “prazer” para nós, mulheres, muito provavelmente foi construído e mediado pelos homens. Quando uma mulher diz que tem vários parceiros, ou que gosta de levar tapa na cara, ou gosta de chupar isso e aquilo, o que a gente tem que perguntar é: ela faz por que é legítimo pra ela ou está reproduzindo aquilo que foi ensinado sobre como deve ser comportar?
Mas quero fazer uma observação sobre algo que sempre me pego pensando. Se por um lado a gente tem um boom de informação pra juventude e eles têm acesso a uma série de coisas, por outro lado a questão da sexualidade ainda é um tabu. Nem a família nem a escola discutem como tem que ser discutido. Essa geração de jovens que consome funk e que tem de 15 a 20 anos, a formação sexual deles provavelmente foi mediada pela pornografia, e a pornografia é repleta de violência. A forma como a pornografia concebe a relação sexual e a sexualidade é violenta.
Muito provavelmente nas músicas eles reproduzem essa formação que tiveram, mediada pela violência.
Fórum – Agora, tem uma questão que é a seguinte: quando um homem canta que “comeu” de várias maneiras, tudo bem. Mas, se a mulher canta que deu pra vários, causa um choque. Isso está inserido num machismo cultural histórico, não?
Conceição – Quando fui fazer a pesquisa entrei justamente na questão de gênero. Não tinha segurança pra dizer que era só machismo, ou só libertário. Tinha a dúvida se não estava no meio dos dois caminhos e no final cheguei à conclusão de que é as duas coisas, às vezes ao mesmo tempo, e às vezes em oposição.
Tem uma música do Catra que ele canta “mama eu”, alguma coisa relacionada ao sexo oral, e na música ele incentiva as meninas a fazerem o sexo oral e a receberem o sexo oral. Durante um show, as meninas cantavam num coro, num frenesi. Em uma sociedade como a nossa, que vive sob um tabu sexual, estar na companhia de outros jovens e poder expressar a sua sexualidade sem que ninguém fique falando pra você, é de fato algo libertador. E como eu disse no exemplo na sala de aula, isso abre precedente para outras coisas, para uma outra geração de homem que vai ter outro olhar sobre o prazer da mulher. Pode ser que ele não seja um olhar emancipador, mas já é um olhar para a emancipação.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Maria da Penha: um símbolo da luta pelos direitos da mulher

Descrição para cegos: retrato de perfil de Maria da Penha.
Violência doméstica também é questão de gênero. Em 2014 a Leia Maria da Penha completa oito anos com conquistas em favor da mulher. A lei não acabou com a violência, mas permitiu a conquista de vários direitos. Para falar sobre isso, escrevi uma matéria com uma breve biografia e histórico sobre a mulher que deu nome à lei. Em seguida, fiz um breve levantamento do mapa da violência doméstica no país.

A cearense que dá o nome à lei que protege as mulheres contra a violência doméstica lutou por quase vinte anos por justiça. Ela representa a luta de várias gerações que buscam por respeito, igualdade e por direitos, entre eles, o direito de não ser agredidas em seus lares. Sua luta foi motivada por uma tragédia pessoal ocorrida quando ela tinha 38 anos de idade. A partir desse fato, sua vida se modificou completamente, Penha vivia agora em nome de uma causa: a eliminação de todas as formas de violência contra a mulher.
Em 1983, a farmacêutica Maria da Penha recebeu um tiro de seu marido, Marco Antônio Viveiros, professor universitário, enquanto dormia. Como sequela, perdeu os movimentos das pernas e se viu presa em uma cadeira de rodas. Seu marido tentou acobertar o crime, afirmando que o disparo havia sido cometido por um ladrão.
Após um longo período no hospital, a farmacêutica retornou para casa, onde mais sofrimento lhe aguardava. Seu marido a manteve presa dentro de casa, iniciando-se uma série de agressões. Por fim, uma nova tentativa de assassinato, desta vez por eletrocução, que a levou a buscar ajuda da família. Com uma autorização judicial, conseguiu deixar a casa em companhia das três filhas. Maria da Penha ficou paraplégica.
Já em 1984, Penha iniciou uma longa batalha por justiça e por segurança. Seu marido foi julgado sete anos após o crime, considerado culpado e recebeu pena de 15 anos de reclusão. Entretanto, a defesa apelou e a sentença foi anulada no ano seguinte. Só após um novo julgamento, em 1996, o ex-marido foi condenado novamente, desta vez a 10 anos de prisão, porém, ficou apenas dois anos preso em regime fechado.
A partir deste fato, o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima Maria da Penha, formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), órgão Internacional responsável pelo arquivamento de comunicações decorrentes de violação de acordos internacionais.
Todo esse processo da OEA condenou o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Uma das punições foi a recomendações para que fosse criada uma legislação adequada a esse tipo de violência. E esta foi a sementinha para a criação da lei. Um conjunto de entidades então se reuniu para elaborar um anti-projeto de lei definindo formas de violência doméstica e familiar contra as mulheres e estabelecendo mecanismos para prevenir e reduzir este tipo de violência, como também prestar assistência às vítimas.
À Lei
Sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 7 de agosto de 2006, a introdução da lei diz “Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências”.
Em setembro de 2006 a lei 11.340/06 a lei finalmente entrou em vigor, fazendo com que a violência contra a mulher deixasse de ser tratada com um crime de menos potencial ofensivo. A lei também acaba com as penas pagas em cestas básicas ou multas, e passa a englobar, além da violência física e sexual, a violência psicológica, a violência patrimonial e o assédio moral.
Atualmente, o principal canal de denúncias relativas à violência doméstica é o Ligue 180, que pode ser contatado gratuitamente. As atendentes são treinadas para orientar as mulheres para os órgãos mais adequados às suas situações. Desde que foi criada, em 2005, a linha já recebeu mais de 2 milhões de ligações, incluindo denúncias e pedidos de informação.
Hoje, após oito anos da lei em vigor, o Brasil avançou no quesito legislação, entretanto, segundo um levamento feito pela Organização das Nações Unidas (ONU), o percentual de mulheres que são agredidas física ou sexualmente pelos seus parceiros no país gira em torno de 34%, ocupando o sétimo lugar ranking mundial em número de mulheres assassinadas.
Histórico
Para fazer o levantamento histórico relacionado ao tema discutido, utilizamos a pesquisa realizada pelo FLASCO Brasil, que foi liderada pelo professor Julio Jacobo Waiselfisz, formado em sociologia pela Universidade de Buenos Aires. Julio é Coordenador Regional da UNESCO no Estado de Pernambuco e Coordenador de Pesquisa e Avaliação e do setor de Desenvolvimento Social da mesma instituição. Coordenador do Mapa da Violência no Brasil. Atualmente é Coordenador da Área Estudos sobre a Violência da FLACSO Brasil.
De acordo com o Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA), nos últimos trinta anos, cerca de 92 mil mulheres foram assassinadas no país, 43.7 mil só na ultima década. O número de mortes para cada grupo de 100 mil mulheres passou de 1.353 em 1980, para 4.465 em 2010, o que representa um aumento de 230% do número de homicídios femininos no Brasil. A faixa de idade das vítimas está entre 15 a 29 anos de idade, com maior incidência no intervalo dos 20 aos 29.
Segundo a pesquisa, as armas de fogo continuam sendo o principal instrumento utilizado nos homicídios, tanto feminino como nos masculinos, só que em proporções diferentes. Por exemplo, nos masculinos, representam ¾ dos crimes, enquanto nos femininos pouco menos da metade. Já outros meios além das armas, que exigem contato direto, como utilização de objetos cortantes, penetrantes, contundentes, sufocação etc., são mais expressivos quando se trata de violência contra a mulher, o que pode ser indicativo de maior incidência de violência passional.
Tabela: Meios utilizados nos homicídios masculinos e femininos (em %). Brasil, 2010.
Meio
Homens%
Mulheres%
Arma de Fogo
72,4
49,2
Objeto cortante/penetrante
15,1
25,8
Objeto Contundente
5,3
8,5
Estrangulamento
1,0
5,7
Outros Meios
6,0
10,8
Outra informação que, de certo modo, deixa clara a passionalidade (da maioria) dos crimes são os locais desses incidentes. No caso dos homens, 14.3% acontecem em suas residências, já com as mulheres, esse número eleva-se para 41%. (Rodrigo Andrade)

domingo, 17 de agosto de 2014

Rapaz, eu nem sei por que acordei desatinado

Descrição para cegos: uma ilustração do autor do texto.
Viver é um acaso de fronteiras inacabadas. Eu pensava assim até me deparar com a figura de uma pedra roxa, meio esverdeada com um quê de megalomania de insetos mortos. De qualquer maneira, isso não importa, apenas um sonho noturno de mais uma madrugada sem saber se meu pênis um dia nascerá vagina-flor.
Gostaria de uma argamassa que ignorasse toda essa burocracia de psicólogo, fila de espera no SUS, brigas com meus familiares e reverberações íntimas entre mim e eu. Pegasse a argamassa, colocasse entre as minhas pernas e, com um pouco de jeito, moldasse numa vagina-flor. Prefiro pensar assim, a sensação é de calma e a vagina-flor se torna mesmo flor de maracujá recém florescida do pé do sítio de vovó.

Todos que sejam iguais a mim, deixem o cigarro de lado, aproveitem a argamassa imaginativa, lutem por sonhos, sigam com o mar, numa ciranda de roda, interligando ideias, entrelaçadas, bordadas, desimpedidas, aquareláveis para se amar. (Luís Marques).

sábado, 16 de agosto de 2014

‘Feminismo Intersecional’. Que diabos é isso? (E porque você deveria se preocupar)


Descrição para cegos: cartaz com o slogan "Por mim, por nós e pelas outras" escrito.
Feminismo. Feminismo Negro. Transfeminismo. Feminismo Intersecional? O fato de que existem mulheres e as suas particularidades, sejam inseridas em uma ordem econômica, social, étnica ou cisgênera fez com que surgisse o feminismo intersecional. Ele engloba essas singularidades, que provocam privilégios, preconceitos ou até discriminação, inserindo-os no âmbito social. No texto a seguir, Ava Vidal aborda a intersecionalidade. (Carolina Ferreira)

Publicado originalmente com o título: ‘Intersectional feminism’. What the hell is it? (And why you should care) no site do jornal inglês The Telegraph, em 15/01/2014. Republicado por Blogueiras Feministas, em 24/07/2014, clique aqui.
Por Ava Vidal
A intersecionalidade é um termo cunhado pela professora norte-americana Kimberlé Crenshaw em 1989. O conceito já existia, mas ela deu um nome a ele. A definição segundo seu livro é:
A visão de que as mulheres experimentam a opressão em configurações variadas e em diferentes graus de intensidade. Padrões culturais de opressão não só estão interligados, mas também estão unidos e influenciados pelos sistemas intersecionais da sociedade. Exemplos disso incluem: raça, gênero, classe, capacidades físicas/mentais e etnia.

Em outras palavras, certos grupos de mulheres têm que lidar com múltiplas facetas na vida, que possuem diferentes camadas. Não há um tipo de feminismo tamanho único. Por exemplo, eu sou uma mulher negra e, como resultado, enfrento tanto o racismo como o sexismo ao caminhar em minha vida cotidiana.
Mesmo com o conceito de intersecionalidade rondando o femininsmo há décadas, parece que ele só foi incluído no debate majoritário no ano passado ou alguns anos atrás. E, ainda assim, muitas pessoas estão confusas com o seu significado ou o que ele representa.
Não ajuda em nada que, nos últimos meses, as mensagens difundidas sobre o feminismo intersecional tenham sido um pouco confusas. No último programa “Hora da Mulher de 2013” da BBC Radio 4, a feminista negra Reni Eddo-Lodge foi convidada para debater como foi o ano do feminismo. Ela começou a falar sobre intersecionalidade e racismo estrutural, mas foi seguida por Caroline Criado Perez, que escolheu aquele momento para falar sobre insultos que ela havia recebido na internet vindos de pessoas que a atacaram sob o pretexto, segundo ela afirmou, da intersecionalidade.
Eu preciso avisar que Eddo-Lodge não foi responsável por nenhum dos insultos que ela recebeu, mas a conversa descarrilou e a oportunidade que ela teve de falar sobre o assunto para uma grande audiência, num programa popular de rádio, foi perdida.
Caroline Criado Perez, posteriormente, se desculpou.
Independentemente disso, o que realmente importa aqui é: as pessoas estão interessadas em saber o que é intersecionalidade e como isso as afeta? Estou ansiosa para redirecionar essa conversa de volta ao tema da intersecionalidade no feminismo e o que isso realmente significa.
Para mim, o conceito é muito simples. Como feminista negra, eu não desculpo Chris Brown por agredir fisicamente sua (então) namorada Rihanna, mas sou contra que alguém o descreva como um ‘preto s****o’, do mesmo modo que uma mulher branca fez comigo. Isso não significa que eu apoio a violência doméstica, como ela, então, me acusou de fazer. Isso significa que eu, como a maioria das mulheres negras, não suporto o racismo.
A principal coisa que a ‘intersecionalidade’ está tentando fazer, eu diria, é evidenciar que o feminismo, que é excessivamente branco, classe média, cisgênero e capacitista, representa apenas um tipo de ponto de vista — e não reflete sobre as experiências de diferentes mulheres, que enfrentam múltiplas facetas e camadas presentes em suas vidas.
Roqayah Chamseddine é uma feminista e escritora que explica isso melhor, dizendo: “O feminismo branco é extremamente reticente e se recusa a reconhecer os obstáculos que as mulheres não-brancas enfrentam sistematicamente, já que elas não são visíveis. Nossas vozes precisam ser ampliadas porque o feminismo branco nos trata como um troféu e usurpa nossas vozes.”
Então, até que o movimento feminista majoritário comece a ouvir os diferentes grupos de mulheres dentro dele, ele vai continuar a estagnar e não será capaz de seguir em frente. O único resultado disso é que o movimento torna-se fragmentado e continuará a ser menos eficaz.
Racismo no feminismo
Sempre que o tema do racismo é levantado no feminismo, não é diferente de quando esse tema é proposto em qualquer outro espaço de debate. Os discursos banais habituais são usados e a acusação de dividir o movimento é muitas vezes atirada ao redor.
A frase “verifique seus privilégios” que geralmente acompanha muitas discussões sobre intersecionalidade, é um exemplo. No Twitter, no início de janeiro, houve uma hashtag iniciada por uma feminista branca: #ReivindicandoIntersecionalidadeEm2014; que levou muitas feministas negras a questionarem como ela pretendia recuperar algo que nunca tinha sido dela em primeiro lugar.
Mas isso prova que o conceito realmente tornou-se popular, agora que há o risco de ser apropriado.
Há a crença equivocada de que o único “privilégio” que você pode ter se refere à cor da pele. Este não é o caso. Você pode ser privilegiado por causa de sua classe social, formação educacional, religiosa, ou pelo fato de que você tem capacidades mentais e físicas ou é cisgênero. Um monte de mulheres negras podem e têm privilégios também.
Um usuário do Twitter disse: “O fato de que um importante conceito feminista foi… empurrado para dentro das discussões majoritárias irrita as feministas brancas que se recusam a reconhecer que elas se beneficiam de um sistema patriarcal, supremacista, heteronormativo e branco.”
Veja esta citação da famosa feminista negra e mulherista Alice Walker, que disse: “Parte do problema com as feministas ocidentais, eu acho, é que elas se comparam com seus irmãos e seus pais. E isso é um problema real.”
Eu lembro de uma discussão que tive com uma senhora muçulmana que me disse: “Eu odeio o feminismo. Não há necessidade para isso existir e eu não quero ter que carregar caixas pesadas só porque vocês, mulheres, querem lutar para serem iguais aos homens.”
O quê?! Eu tive que enumerar algumas coisas para ela. Primeiro de tudo, o feminismo não é sobre ter o direito de carregar caixas pesadas. E, como uma mulher negra que mede 1,80m de altura, posso assegurar-lhe que ser vista como fraca fisicamente não foi um problema que eu tive que enfrentar na minha vida adulta. Na verdade, nas poucas ocasiões em que pedi ajuda a homens por causa de um objeto pesado, eles riram de mim e disseram coisas como: “Vamos lá, amor! Não finja que você não consegue lidar com isso. Uma moça robusta como você!”
Enquanto conversávamos, ficou evidente que o problema dela era com o feminismo majoritário. Ou seja, o feminismo que é esmagadoramente branco, classe média, cisgênero e capacitista. Quando vozes são marginalizadas dentro de um movimento, até o ponto em que há mulheres que nem sequer pensam que o feminismo é para elas, o único resultado disso é que o movimento está enfraquecido e cada vez menos eficaz. Por exemplo, tenho ouvido as feministas tradicionais que estão tentando proibir o véu apesar da resistência de mulheres muçulmanas, afirmam que elas não sabem o se passa em suas próprias mentes, e querer usar o véu é o resultado óbvio dessa doutrinação.
Então, o que podemos aprender com tudo isso? Como vimos, em discussões acaloradas numa rádio no final do ano passado, é fácil nos atolarmos em palavras e em discussões no estilo ele-disse-ela-disse, o que isso significa e o que aquilo significa.
Intersecionalidade ainda é um termo relativamente novo para as massas — mas, sua mensagem é algo com o qual certamente qualquer feminista pode estabelecer uma relação ao começar a ouvir e incluir diferentes grupos de mulheres, suas múltiplas facetas e experiências de vida nos debates em geral e respeitá-las.