domingo, 12 de novembro de 2017

Representatividade de gênero em card game

Descrição para cegos: foto de pessoas jogando card sobre uma mesa onde as cartas estão espalhadas.

Por Lucas Campos

O segmento dos card games (ou jogos de cartas) não difere muito do resto do universo nerd. Existe nele diversos tipos de preconceito, como machismo, LGBTfobia, racismo e por aí vai. Se tocarmos na tangente da representação, então, sabemos que encontraremos poucos personagens que agradem às pessoas dos movimentos feminista, LGBTQ+ e negro. Além disso, ainda há muitos estereótipos ao retratar pessoas desses grupos.

Quando observamos card games, tanto físicos - Yu-Gi-Oh! – como virtuais – Faeria, Hearthstone e Scrolls -, observamos que realmente existem poucos ou mesmo não existem personagens que representem bem certas categorias. Por exemplo, quando falamos de mulheres nos card games, percebemos que elas geralmente apresentam-se em dois aspectos: as guerreiras sexualizadas e as donzelas indefesas. É difícil achar personagens femininas que fujam desses perfis. Se falarmos de negros e LGBTS, então, o número é absurdamente inferior – beirando praticamente a inexistência.
Talvez isso encontre justificativa no público que consome esses jogos, geralmente homens cis, brancos e heterossexuais. Por que as empresas investiriam em grupos que não lhes dão retorno, afinal? Infelizmente, a lógica de mercado impera nos negócios bem-sucedidos do universo nerd. Assim, as minorias, que já evitam esses ambientes e produtos por causa do público majoritário, não se sente convidada a jogar porque não há representação, ou seja, não há com o que se identificar nos card games.
É uma realidade triste e, muito embora a grande maioria das empresas não tenha o menor interesse em mudar a forma de pensar e produzir conteúdo, há ainda algumas que se esforçam para atender às demandas sociais de uma representação bem-feita. Wizards of The Coast, proprietária do card game Magic: The Gathering, decidiu que era hora de abraçar esses públicos e tem feito um excelente trabalho.
Limitando-me apenas à questão de gênero, trouxe algumas cartas que exemplificam como Magic: The Gathering representa mulheres, transexuais e pessoas de gêneros não-binários de uma forma muito bacana, promovendo inclusão e diversidade dentro do card game. Começo trazendo Elspeth e Samut, mulheres guerreiras, que usam trajes de combate e portam armas.

Descrição para cegos: À esquerda, carta de Espelth, a Campeã do Sol. Nela há o desenho de uma mulher que segura uma lança e traja armadura e capa; ao fundo do desenho, uma ilha com montanhas e construções em estilo greco-romano. À direita, carta de Samuf, Voz da Dissensão. Nela há o desenho de uma mulher vestindo armadura e portando duas lâminas longas nas mãos; ao fundo do desenho, um beco cercado por construções. Na parte inferior de ambas as cartas, constam informações para uso no jogo.

No meio nerd, o comum seria mulheres sexualizadas em posições anatomicamente impossíveis, onde o foco do desenho estaria nos seios e nas nádegas. Não estou dizendo, é claro, que não existam personagens femininas retratadas assim em Magic. Pelo contrário, elas existem, mas percebe-se que existem várias personagens que fogem disso no card game. Além da questão do corpo propriamente dito, é bacana como Magic tem várias personagens femininas que não são apenas suportes para os homens do jogo.
Mas Magic vai além dessa questão, trazendo personagens transexuais e de gêneros não-binários. É importante salientar que nem sempre há como identificar essas características nas cartas. Entretanto, as histórias dos personagens são divulgadas em contos e livros que a empresa também produz. É o caso de Alesha e Ashiok:

Descrição para cegos: à esquerda, carta de Alesha, A Que Sorri para a Morte. Nela há o desenho de uma mulher trajando uma armadura, cercada por silhuetas de pessoas que portam lanças e estandartes. À direita, carta de Ashiok, Tecedor de Pesadelos. Na carta, há a ilustração de um humano em que é difícil determinar o gênero, vestindo armadura, túnica e garras metálicas nas mãos. Na parte inferior das cartas, constam informações para uso no jogo.

A história de Alesha foi contada em A Verdade dos Nomes, de autoria de Alisson Medwin, James Wyatt e Matt Knicl. Pertencente a uma cultura que confere aos seus guerreiros o direito de escolher seus nomes após conquistar uma glória em combate, Alesha vê sua posição de liderança questionada por um orc (ser mitológico) que a acusa de ser um menino que acredita ser mulher.
A história também retrata o temor de Alesha ao escolher seu nome aos 16 anos e explica que ela teve muito medo de assumir esse nome. Ao orc que a enfrentou, ela responde: “Eu sei quem eu sou. Eu não sou um menino. Eu sou Alesha, como minha avó antes de mim”. Alesha é, portanto, o primeiro personagem trans do card game.
No caso de Ashiok, os fãs sempre especularam quanto ao seu gênero. Percebe que realmente não há marcações de gênero na silhueta do personagem? Isso porque ele foi criado pela empresa com o objetivo de ser andrógino e também o primeiro personagem de gênero não-binário no jogo. Este é um fato surpreendente, porque androginia e não-binariedade praticamente não são representadas neste segmento do mundo nerd.
Em Magic: The Gathering, também encontramos personagens femininos e masculinos em pé de igualdade em questões de poder, de combate ou de política; além de ter alguns personagens negros em posição de liderança - mulheres negras, inclusive - e alguns que são assumidamente homossexuais. Assim, através de uma iniciativa bastante simples, Wizards of The Coast tenta abraçar um maior número de públicos e mostrar que há espaço para vários grupos sociais em seu universo fantástico. 

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